quinta-feira, 6 de março de 2008

Danças, moldes e paixões

"A dança devia romper seus moldes e escolher como ritmo o das paixões, das pulsões, das mortes, dos renascimentos. Não se trata mais de transmitir uma mensagem codificada, hipersimbólica..." Dança e fogo sagrado Maurice Béjart O Correio da Unesco - Março de 1996 - ano 24 nº 3 Brasil

Admirável mundo novo! Rompendo limites ou repetindo as palavras de outro autor? É maravilhoso perceber a intensidade, própria de alguém imerso no mundo das artes tal como Maurice Béjart, ao falar sobre a dança. Mais delicioso, se me permitem a liberdade para o uso de tal palavra, é sentir o quanto ele destaca uma dança que permite a transcendência histórica, geográfica e temporal. Uma dança que leva o homem a expressão do sentir-se enquanto “ser” harmonizado a seu universo atemporal.

Após ler a entrevista e destacar a fala citada acima, teço minhas considerações:

“A dança devia romper seus moldes e escolher como ritmo o das paixões, das pulsões, das mortes, dos nascimentos".

O que acontece com tantos que ficam presos a moldes? Passinhos pra cá... Passinhos pra lá... Pára aí! Dançar profissionalmente, creio que precisa de toda uma disciplina extremamente rígida, mas sem a paixão, sem a vida, o sentimento, nada será! A tal musicalidade, tão comentada, é sem sentido se não sentida! Precisa, para existir, pulsar no interior de cada um e assim ser ritmo e passos harmonizantes.

Não sei dançar, mas sei identificar quem sabe. Identificar, não! Sentir. Sinto prazer ao ver pessoas dançarem com prazer. A alegria sentida transcende. É diferente de ver autômatos trocando gestos e executando passos. Não gosto de ver robôs dançando...

É importante considerar que a dança tem toda uma perspectiva complementar de integração, socialização e terapêutica até! Falo como leiga. Como amante. Como aquela que se delicia e a defende como prazer, mas com seriedade, mas não com rigor científico! Quero saber dançar o suficiente para errar passos e dar gargalhadas por não saber dançar. Quero o prazer do aventurar-me "pelo universo da dança", sempre! Dá pra entender??? Risos... Não tente... Risos...
Assim como Béjart propõe, a dança devia romper seus moldes e escolher como ritmo o das paixões, das pulsões... Aí, vem minha reflexão... Não é o profissionalismo ou a formalidade o que me incomoda, mas a ausência de vida... A robotização... E aqui falo especificamente da dança de salão. Acho magnífico quando vejo casais dançando com passos simples, mas imersos em uma sinergia sensível a olho nu (exagero?).

Quando vejo os pequenos erros acompanhados de risos constrangidos, mas carregados de ajustes e cumplicidade... Percebo sentimento e não uma mensagem CODIFICADA. A dança de salão não pode ser permeada por códigos. Por encenação.

Cada momento de dança é único. É uma perspectiva de vida e de morte. Quantas vezes estamos tristes antes de um instante de dança e após nos tornamos mais leves? Somente pelas substâncias que nosso organismo libera? Não! Creio que não. Falo por mim. Aqueles momentos são ricos de nós mesmos.

Fico observando o ir e vir. Os passos, as pessoas, os olhares, os comportamentos. Há um movimento de espiral interior. Introspecção. Romper de barreiras. Expulsão dos fantasmas interiores. Quanta riqueza! Sublime momento! A dança não pode ser robotizada. Não dá! Tem hora que só pode ser dois pra lá e dois pra cá mesmo! Mas nesse ir e vir, uma eternidade de tempo em ondas num simples dois e dois faz o tempo parar e a energia dos corpos unir.

É. Eu gosto de dançar mesmo sem saber dançar! Fizeram-me descobrir um novo mundo e daqui eu não saio. Ele agora é meu! Divido-o com você, pois quanto mais divido, mais ele se torna lindo, rico, próspero! Os desafios aumentam. É uma aventura que não se pode viver só. Mas sei que não sei dançar e assim quero me preservar, sem o domínio total, num eterno descobrir e me refazer. O melhor? Sou feliz, pois sempre existe um cavalheiro herói que encara uma dama assim !!!

Fonte: Danças, moldes e paixões

por Fernanda Freitas - 05/03/2008

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